Depois do enterro, suspirou profunda e prazerosamente fechando a porta atrás de si.
De olhos úmidos, com o corpo arrepiado queimando numa febre repentina, passeou pelos cômodos acariciando cadeiras, paquerando esquinas, observando quadros e janelas, sentindo um alívio que não lembrava ter tido outro igual.
Há muito deixara de existir. Desde quando era pequena e achava que poderia ser tudo o que quisesse ser quando crescer.
Quando era pequena se sabia. Se deixava saber. Depois, vieram as despedidas. E depois, os esquecimentos. E mais depois, restaram as suspeitas. Cerceara tudo o que de mais seu pudesse ter. Fizera uma vida torta, uma vida outra, à margem do caminho.
Porque bem no fundo queria ser amada e aceita e recebida.
Tateou no escuro das lembranças tentando segurar uma imagem antiga que lembrava sua, e se perguntou se ainda conseguiria agarrá-la; se ainda teria tempo para soprar-lhe um pouco de vida. Um pouco da sua vida. 
Morto o carrasco, tentaria.
 
 
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